Cangaço Novo: criadores contam como foi a trajetória da série, que levou dez anos para ser produzida
Anos de escrita, diversos “nãos”, vontade de desistir, mas muito mais vontade ainda de fazer uma ideia ganhar as telas. Esses sentimentos são bem conhecidos por quem insiste em fazer cinema ou TV. E não foi diferente com os criadores da série Cangaço Novo, destaque do Prime Video. A produção nacional destaca a capacidade do Brasil de contar histórias universais, enraizadas em suas próprias culturas e tradições, mas com um apelo global.
Como fazer isso diante de tantos desafios? No 3º Fórum Spcine, que ocorreu entre os dias 26 e 28 de junho, na Cinemateca Brasileira, em São Paulo, Mariana Bardan e Eduardo Melo contaram como surgiu a ideia para a série Cangaço Novo e o processo de dez anos até a sua distribuição.
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De onde surgiu o nordestern de Cangaço Novo?
Cangaço Novo segue a história de Ubaldo, um banqueiro que mora em São Paulo e enfrenta dificuldades financeiras enquanto cuida do pai adotivo doente. A situação começa a mudar quando ele descobre uma herança deixada pelo seu pai biológico, um homem influente da fictícia cidade de Cratará, no sertão cearense.
Ambientada em uma cidade fictícia no interior do Ceará, a série é destaque no streaming desde agosto de 2023, quando estreou no Prime Vídeo e alcançou o top 10 em mais de 50 países. O sucesso garantiu a segunda temporada, que será gravada ainda neste ano.
Mas até isso se concretizar, foram dez anos de muito trabalho. Os criadores Mariana Bardan e Eduardo Melo se conheceram na faculdade de cinema, ela da área de fotografia e ele focado em direção. Eduardo, que antes de estudar cinema era da área de economia e trabalhava em um banco, pediu demissão.“Quando a gente sai da faculdade, percebe que para entrar no mercado é preciso criar os próprios projetos. Se ninguém vai me dar um filme pra eu dirigir ou escrever, vou fazer os meus próprios”, conta Mariana.
Como nenhum dos dois tinha experiência como roteirista, decidiram estudar roteiro em Los Angeles por seis meses. “Costumo dizer que a gente saiu da faculdade como fotógrafa e diretor e voltamos para o Brasil roteiristas”.
A ideia do que escrever surgiu durante uma viagem de carro ao interior de São Paulo para visitar a família de Mariana. Os dois tinham assistido ao filme O Profeta e ainda estavam impactados com a história do protagonista.

“Mariana estava dirigindo e, do nada, me fala: e se a gente pegasse esse personagem do filme O Profeta e colocasse ele lá no sertão de onde vem a família do teu pai?". Eu comecei a gritar que a ideia era sensacional, que ela tinha achado a nossa ideia!”, diz Eduardo, que nasceu em São Paulo mas é filho de nordestinos, a mãe da Bahia e o pai do sertão do Ceará.
A partir dali, os dois começaram a reunir referências e memórias pessoais que fariam parte da narrativa. Mariana foi criada no interior pela mãe e pelas tias, queria que a história tivesse uma bandida para retratar a força feminina. Eduardo, além de ter essa conexão familiar, colecionava reportagens sobre os assaltos a banco organizados no Ceará.
“Sempre achei aqueles assaltos um verdadeiro espetáculo de terror. Os bandidos saíam do sertão, se orgulhavam de serem considerados os novos cangaceiros, iam para as cidades armados para assaltar bancos durante o dia. Eles não matavam ninguém, isso fazia com que a polícia não entrasse em confronto e, no final, retornavam para o sertão com o dinheiro, onde estavam protegidos”.
Estava decidido então o pano de fundo que daria a atmosfera de Cangaço Novo, um western brasileiro, o "nordestern". “Os bandidos nos ajudaram de alguma forma a trazer essa ação brasileira com drama. A ação pela ação ficaria sem graça”, explica Mariana.
Os criadores ainda destacam outras referências importantes para a construção da história como o cinema italiano dos anos 60/70, a poesia de Guimarães Rosa, Vidas Secas, de Graciliano Ramos e filmes de velho-oeste do John Ford.
Por que uma série e não um filme?
Com a ideia principal criada, os dois precisavam definir o formato e começar a escrever. “Não tinha nenhuma série de western brasileira ainda, então pensamos na questão do streaming”. A dupla considera que o ponto de partida real para avançar no projeto foi a inscrição em edital, um Prodav de Laboratório de Desenvolvimento de série.
“O edital foi maravilhoso porque deu um norte para a gente começar a escrever. Eles pediam uma bíblia do projeto, sinopses curtas dos episódios e uma longa das temporadas, com descrição de personagens e justificativa”.
Projeto pronto, começou a saga para tentar vender a ideia. Foram anos até Mariana conhecer o diretor Fábio Mendonça. “Na época eu trabalhava como cinegrafista para a HBO, fazia os programas de entrevistas entre os filmes. Então pude viajar bastante, conhecer roteiristas, diretores e o Fábio, que achei um profissional incrível. Ele se animou com o projeto, apresentou para a O2 e, a partir dai, a gente passou a tentar vender com uma produtora e a ter um respaldo maior”.
E mesmo com a produtora, nenhum player em atuação no Brasil aceitou distribuir a série. “Todos diziam que era muito legal, mas muito cara. Tentamos Netflix, Globo, ninguém topou”, relembra Eduardo. O sim veio três anos depois, com a chegada da Amazon no país.
Apego à história
Depois de todos os perrengues para transformar o sonho de produzir Cangaço Novo em realidade, com o início da criação do roteiro, veio um novo desafio: conseguir participar do processo para garantir que a história não se perca muito da ideia inicial.
“A gente não podia ser inimigo do projeto, tinha que abrir mão de algumas coisas, mas precisava sinalizar também quando o caminho estava tomando um rumo muito diferente da ideia inicial. Essa é uma parte dolorida, continuar se vendendo para participar do processo como roteirista do seu próprio projeto!! É aquilo, beleza, a gente coloca vocês na sala de roteiro, vamos ver se entregam. Mas nunca soltamos a mão do projeto. A gente conseguiu estabelecer diálogos com todas as equipes.”, detalha Mariana.
A dupla conseguiu, inclusive, acompanhar a gravação em todas as etapas e fazer algo inusitado que foi a criação de 70 cenas extras para os testes de elenco, que foram realizados em video devido à pandemia. “Isso fez a seleção de atores melhorar muito. São cenas que não estão na série, mas que exploram o personagem. Algumas ficaram tão boas que até entraram”, conta Eduardo.
Finalmente, os dias de glória
Para a estreia da série, Mariana e Eduardo prepararam uma sessão especial para a família. O pai de Eduardo ficou comovido, mas tenta convencer a voltar para o mercado financeiro até hoje, depois que descobriu que todo esse trabalho não garante estabilidade financeira. “Mas você ficou rico, filho? Eu sempre respondo que nesse sentido, os amigos do banco estão bem melhores (risos)”.
“Fomos para a roça com um projetor, mostrei para a minha mãe e minhas tias que não era uma loucura fazer cinema. eu tinha algo a contar. Foi um momento muito bonito. Eu nunca vou achar que foi rápido esse processo, tudo demora demais, é preciso confiar e trabalhar”, complementa Mariana.
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