Rio2C: O mercado onde “a gente finge que vende e eles fingem que compram”
Neste ano, fiz mais uma vez minhas malas e fui para minha peregrinação anual ao Rio2C. A conferência se tornou o ponto de encontro para a indústria criativa brasileira nos setores de audiovisual, música e games, apesar da forte desaceleração na demanda dos últimos anos.

Comecei a frequentar o evento no Rio na época em que ainda se chamava Rio Content Market. Esse evento aconteceu de 2011 a 2017, praticamente coincidindo com uma era de ouro para o conteúdo brasileiro. Hoje, isso parece uma lembrança de outra vida. O setor audiovisual do Brasil estava em alta, impulsionado pela regulação dos canais de TV a cabo e pelas cotas que estimulavam as operadoras a contratar conteúdo produzido no Brasil.
O Rio Content Market ficou concentrado por um tempo no Windsor Barra Hotel até explodir para instalações maiores. Lembro-me da empolgação dos criadores antes das sessões de pitching, focados, suando de nervoso, revisando seus slides. Havia sempre um forte contingente de executivos de veículos de mídia internacional dos EUA, Japão, França e Alemanha, presentes em peso para ouvir pitches de criadores brasileiros. Era impossível para os compradores se esconderem nos corredores estreitos do Windsor Barra Hotel. Ali era o melhor lugar para encontrar colegas de todo o país e também o local perfeito para apresentar seu projeto.

Até 2017, o evento era organizado pela BRAVI, a associação de produtores de TV. Depois, a realização do evento foi transferida para um conglomerado de outros projetos da APEX, a agência brasileira de exportação. O evento foi então movido para a modernista e impraticável Cidade das Artes, na Barra da Tijuca. Lembro-me que, antes da pandemia, quando houve a mudança para a Cidade das Artes, os compradores sequer iam ao evento - simplesmente ficavam no hotel e marcavam suas reuniões no próprio Hyatt.
A mudança para Rio2C e Cidade das Artes coincidiu com a chegada da Netflix com força total no Brasil. De certa forma, a empresa americana entrou no país na hora certa, adquirindo as melhores escolhas de projetos de propriedade intelectual brasileiros, em um momento em que o ambiente político havia mudado drasticamente, indo contra políticas públicas de apoio ao setor audiovisual independente local. Com a entrada da corporação norte-americana e a adoção do modelo de streaming pelos demais players, as produtoras brasileiras se tornaram efetivamente prestadoras de serviços de produção, atendendo à insaciável demanda online.
Todos os esforços para ter um setor de produção independente sólido, garantindo alguma propriedade intelectual para os criadores, foram efetivamente freados pela instabilidade política e falta de regulação.
Há um movimento internacional em curso para regulamentar o streaming. No Brasil, existem atualmente dois projetos de lei paralelos sendo discutidos no Congresso. A atual incerteza regulatória no Brasil, aliada a outros desafios globais que afetam a indústria audiovisual, não é propícia para um ambiente de encomendas bombástico, para dizer o mínimo.

“Estamos fingindo vender, e eles fingem comprar”, como disse tão bem um amigo diretor. As sessões de pitching se tornaram efetivamente sessões de networking e servem para os produtores identificarem quem são as atuais equipes de aquisição dos canais. Do lado positivo, liberado da urgência de lançar e encontrar compradores que não estão comprando, o local cativa. Neste ano, parecia que o evento havia de alguma forma amadurecido. Depois da experiência alienante que foi a Covid, passear por um prédio com formato de nave espacial encontrando colegas de mercado - todos no mesmo barco - a combalida nave brasileira - compartilhando experiências comuns foi libertador.
Tudo estava em maior escala: o número de apresentações, o tamanho das filas, a quantidade de estandes interativos e, felizmente, um número grande de quiosques de sorvete. As letras da programação impressa tinham uma relação inversa ao tamanho do evento, dificultando muito a leitura do que estava sendo oferecido.
Uma vez sentados nas cadeiras, as apresentações eram frequentemente facilitadas por moderadores entusiasmados no estilo Club Med, em oposição a jornalistas de mídia, resultando muitas vezes em debates superficiais, sem tempo para perguntas e respostas. Também houve uma presença internacional bem mais discreta este ano.
Então você pode perguntar: valeu a pena participar do Rio2C em 2024? Eu diria um sonoro sim.
Desde o momento em que entrei no avião para o Rio, encontrei companheiros de viagem no maravilhoso mundo da criação de conteúdo. Se você quer entender o ambiente atual em que o Brasil se encontra, não há melhor lugar para medir a temperatura do que o Rio2C.

Confesso que fico intrigado e gostaria de perguntar diretamente aos meus colegas o que está acontecendo e tentar entender tudo isso. O Brasil deveria ser um peso pesado internacionalmente no mundo audiovisual. Possui uma marca reconhecida na música e no futebol. O país tem um apelo natural muito forte. Por exemplo, os criadores brasileiros dominam o mundo da publicidade. Em design e animação, os brasileiros são reis (como Carlos Saldanha e Zé Brandão do Irmão do Jorel). A música brasileira viaja o mundo e é uma indústria consolidada.
A pergunta que fiz aos meus colegas foi: o que está impedindo o Brasil de competir com a Coreia do Sul na esfera cultural? Por exemplo, a Netflix acredita que a Coreia do Sul vale mais de 10 vezes o Brasil se compararmos os investimentos que a multinacional está fazendo nos dois países: enquanto a Coreia do Sul recebeu 2,5 bilhões de dólares, o Brasil teve um aporte de cerca de 200 milhões de dólares entre 2023 e 2024. O Brasil é o terceiro maior mercado da Netflix em número de assinantes, atrás apenas dos EUA e do Reino Unido. Será que os brasileiros só se interessam em assistir filmes coreanos?
Então, por que o Brasil não está atingindo seu peso cultural? E o que pode ser feito a respeito? Esta é a questão que estou tentando investigar.
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